A matéria “Do discurso para a execução”,
apresentada na Revista Educação por Marina Kuzuyabu, expõe a entrevista
realizada com o especialista em políticas educacionais Carlos Roberto Jamil
Cury, em que aponta os principais desafios e potencialidades com a aprovação do
Plano Nacional de Educação (PNE).
Leia a entrevista na íntegra! <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/207/artigo316002-1.asp>
Do
discurso para a execução
Especialista em políticas públicas educacionais, Carlos Roberto
Jamil Cury destaca os desafios que se abrem com a aprovação do Plano Nacional
de Educação (PNE) e as oportunidades de melhorias que ele traz consigo
Marina Kuzuyabu
Com três anos de atraso, o Congresso aprovou, em junho
passado, a versão definitiva do Plano Nacional de Educação (PNE). São 20 metas
que devem ser cumpridas pelo governo federal, estados e municípios nos próximos
dez anos, contados a partir da sanção da lei pela presidente Dilma Rousseff.
Nessa entrevista, Carlos Roberto Jamil Cury, especialista em políticas públicas
educacionais, analisa os desafios do plano e seu potencial para mudar a
educação brasileira. Cury é professor emérito da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, entre outros cargos, ocupou ao
longo de sua carreira a presidência do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Em suas
palavras, o PNE representa a oportunidade de ouro para avançarmos na quantidade
e na qualidade da educação, especialmente porque desta vez foi incluída uma
meta de financiamento – elemento fundamental que ficou de fora do primeiro PNE
e inviabilizou sua implementação. Apesar dos avanços, a execução da lei depende
de muitos fatores, entre eles da concretização de um Sistema Nacional de Educação
que articule estados e municípios e o Distrito Federal em “favor das
finalidades maiores da educação”.
Analisando de maneira
geral, o que o governo, os partidos e os movimentos da sociedade civil
demonstraram ao longo desses três anos de negociações em torno do PNE? Qual a
sua análise sobre esse processo?
Durante o tempo de tramitação do projeto, houve inúmeras
audiências públicas na Comissão de Educação da Câmara e mesmo do Senado. Foram
convidadas organizações da sociedade civil, como o Todos pela Educação, a
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, associações profissionais e
científicas, além de representantes governamentais, a exemplo do Ministério da
Educação (MEC), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Havia um
razoável consenso quanto à maioria das metas e das estratégias. Os pontos de
conflito foram: os 10% do PIB; se se adicionaria ou não o
adjetivo ‘pública’ após o substantivo ‘educação’; se o enunciado
seria só os professores ou os professores e as
professoras e, finalmente, o modo de inclusão do enunciado no Plano do
Custo-aluno-qualidade, que consta da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). A delonga
na aprovação do PNE também evidenciou a dificuldade de passar à ação e à
efetividade a sempre proclamada (e adiada) prioridade da educação. Ficamos três
anos sem metas oficiais para a educação.
O que o PNE recém-aprovado
traz de novo em comparação com a proposta anterior? E qual o legado do primeiro
PNE?
A grande novidade é a assinalação de recursos para o devido
investimento. Que sejam os 7% do PIB para o primeiro quinquênio, sejam os 10%
na chegada do ano 2022 (bicentenário da Independência), desta vez não se poderá
dizer que haverá veto ao financiamento. O importante é que o investimento seja
feito com rigor, com racionalização e com destinação legal. O legado do
primeiro PNE foi o de ter registrado metas a partir de uma radiografia
consistente. As metas, no entanto, ficaram muito mais como referências do que
algo a ser atingido. Mas o que ficou de negativo, no anterior, foi a
consciência aguda de que sem financiamento não há plano porque as metas não se
sustentam.
Quais são as perspectivas
que se abriram com a promessa de que, em até dez anos, 10% do PIB, no mínimo,
será aplicado na educação?
É preciso notar que, no primeiro quinquênio, o investimento
deverá chegar aos 7% do PIB. Já o de 10% é ao final do segundo quinquênio. Não
se pense que é pouco dinheiro. Contudo, sem um controle civil destes recursos,
como o exercido pelos Conselhos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), sem um
controle dos órgãos existentes para tal, como os Tribunais de Contas, ou as
metas não se atingem ou elas ficarão parcialmente comprometidas. Como o
investimento é de grande porte, será possível ampliar significativamente o
acesso a todas as etapas obrigatórias (de 4 a 17 anos) e se pensar nos flancos
abertos da formação inicial dos docentes, na formação continuada, na melhoria
salarial dentro de uma carreira e, então, na avaliação de desempenho. Em outros
termos: é a oportunidade de ouro para avançar na quantidade e na qualidade.
Entre as metas do PNE
estão a erradicação do analfabetismo e 25% de oferta de ensino integral. É
possível cumprir metas ambiciosas como essas em uma década?
De fato são metas ambiciosas. Mas quem não sonha com
catedral, não constrói igreja. Elas são urgentes e necessárias. É preciso,
entrementes, que o regime de colaboração, agora à luz do Sistema Nacional de
Educação – cujo perfil operatório é de fundamental importância –, entre em
ação. Vale dizer, é preciso que os governos todos se empenhem, no regime
federativo, em uma mesa de negociação para que a gestão não se disperse e nem
os recursos se percam.
O governo federal
conseguiu evitar que fossem retirados da base de cálculo os recursos aplicados
em entidades filantrópicas e programas de expansão do ensino, como o Fies, e o
ProUni. O relator do PNE disse que esses valores são insignificantes se comparados
ao que será investido em educação pública. Você está de acordo?
Esses recursos, amanhã, poderão fazer falta. Trata-se de
uma possibilidade. Ocorre que há um dispositivo constitucional, o artigo 213,
que faculta essa possibilidade, reiterada na LDB. Por sua vez, o PNE é uma lei
ordinária. Então o dispositivo está valendo. Será preciso regulamentar essa
franquia, com as devidas condicionalidades, e, por outro lado, ampliar a face
pública do Estado tanto na oferta da educação profissional quanto no ensino superior.
O único programa que entendo fora deste cômputo, dentro do parâmetro legal, é o
Fies. Trata-se de um contrato entre o indivíduo e um banco. E embora o banco
possa ser estatal, o Fies depende de uma ação voluntária do sujeito em
contratar tal financiamento.
O PNE não explicita qual deve ser o incremento financeiro
que cabe à União e aos entes subnacionais para chegar aos 10% do PIB. Como
então a sociedade poderá cobrar o cumprimento dessa meta?
Esse talvez seja o mais difícil dispositivo na forma de sua
montagem e operação. Para tanto será preciso aprovar uma lei complementar, como
previsto no parágrafo único do art. 23 da Constituição. Sem a aprovação desta
lei complementar, o caminho será complicado e o Sistema Nacional de Educação
não fechará. Para mim, é o artigo-chave dos recursos referidos ao PIB e o que
possibilitaria a criação de um fundo de caráter nacional que, mediante uma
radiografia minuciosa, seja redistribuído de forma a reduzir as disparidades
regionais.
Qual seria a diferença
entre esse fundo e o Fundeb?
O atual Fundeb é constituído por 27 fundos estaduais, sendo
que em alguns estados há complementação da União. Um Fundo Nacional a ser
dirigido pela União e assessorado por mesa interfederativa permitirá a redução
de disparidades hoje existentes, seja nas transferências obrigatórias, seja nas
voluntárias. Ou seja, um fundo nacional pode ser mais justo por ser equitativo.
Qual sua avaliação sobre a
inclusão de metas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e
o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)?
Não acho que indicadores de avaliações nacionais ou
internacionais devam compor o Plano. Uma lei tem um sentido permanente e estas
avaliações são mutáveis. Esses indicadores são termômetros de uma situação.
Logo evidenciam coisas que não vão bem, mas tomá-los como referência principal
pode ocultar outras coisas importantes. Certamente que tais avaliações hão de
continuar. Mas elas devem cooperar com o Plano, porém de maneira auxiliar.
Não estão previstas medidas
contra os gestores que descumprirem as metas. Isso coloca o PNE em risco?
Hoje já temos medidas suficientes previstas em vários
dispositivos, é preciso aplicá-las. A meu ver, seria importante uma espécie de
código que reunisse em um só lugar todos os dispositivos. Um ponto, geralmente
esquecido, apesar de constante em lei, é a obrigatoriedade de ouvidorias para
que o cidadão tenha um canal direto com os gestores. A reunião de tais normas
em uma Lei de Responsabilidade Educacional poderá se explicitar, clarificar e
até aperfeiçoar as mesmas normas